terça-feira, 21 de abril de 2020




A dissonância entre o discurso e a prática
política na era da COVID-19


Apesar de grande   parte da mídia estar atuando sob um prisma   especulativo e alarmista, sem aproveitar a maciça audiência para divulgar informações e orientações de qualidade, notícias com supostos fundamentos científicos tem sido divulgadas exaustivamente. Nunca se viu falar tanto da ciência no Brasil. Mas o fato é que o destaque no noticiário não condiz com o tratamento que as instituições de pesquisas e pesquisadores tem merecido em nosso País.
Numa avaliação retrospectiva recente, pode-se se constatar o desprestígio e o descaso que a ciência vinha e ainda vem sofrendo em nosso pais. Críticas a produtividade das instituições de pesquisa, corte de orçamento das Universidades, contenção   de vagas para novos concursos, redução de bolsas de apoio a jovens pesquisadores, restrição de recursos para pesquisa, ameaçando colapsar nossa rede de instituições de produção do conhecimento.
Agora,  com a grave ameaça que representa o coronavirus  para a sobrevivência da humanidade, nada mais coerente do que se ressaltar o valor da ciência, até a pouco tão desprestigiada. Mas essa contradição deveria reacender reflexões mais profundas sobre a importância de se apoiar de forma adequada as iniciativas em prol do fortalecimento do ensino e da pesquisa em nosso pais.
Para cumprirmos rigorosamente as medidas preventivas indicadas pelas autoridades sanitárias, temos que estar convictos de que elas estão embasadas   em evidências científicas. Situações como a que estamos vivendo agora, em que o resultado das pesquisas tem que ser compartilhados socialmente demonstram de forma cabal que não podemos prescindir da atuação de Universidades e Institutos de Pesquisa públicos, gratuitos e de qualidade. Assim a valorização destas instituições e seu quadro de cientistas é de fundamental importância para a garantia da produção do conhecimento cientifico continuada, sem os atropelos corriqueiros que tem ocorrido, por conta de corte de orçamento a título de contingenciamento de despesas.
Um outro assunto que tem merecido destaque exaustivo no noticiário é incapacidade do nosso sistema público de saúde para atender toda a demanda de pacientes acometidos pela Covid 19. Não há dúvida que a ameaçadora força da pandemia produzida pelo coronovirus não se deve necessariamente ao seu potencial patogênico, mas sobretudo a precariedade dos sistemas de saúde pública não só no Brasil mas no mundo, tanto é que quase todos os países estão sendo obrigados a construírem hospitais de campanha para atender o grande número de pacientes acometidos pela COVID 19.
 A atual crise tem demonstrado que é impossível atender o volume de pacientes atingidos através da inciativa privada, sendo imperativo para debelar a crise a existência de sistemas públicos de assistência  universal a saúde devidamente estruturados, o que evidentemente não estamos vendo ocorrer sobretudo na maioria  dos países economicamente  desenvolvidos.  A redução progressiva do financiamento para os sistemas públicos de saúde  em benefício do setor privado que tem ocorrido nas últimas décadas explicam atual  dificuldade para o  controle  de epidemias em especial esta causada pelo novo coronavirus .
É imprescindível para o controle da pandemia que os países disponham de instituições de pesquisa adequadamente estruturadas, com profissionais devidamente habilitados e orçamento suficiente para poder apresentar as respostas que a sociedade necessita em tempo hábil e muito mais, que tenha condições de prever os eventos com a devida antecedência para evitar que novos surtos de doenças infectocontagiosas se repitam ciclicamente. Ou seja, a crise atual é um alerta para a sociedade da necessidade de se promover mudanças nas políticas públicas de maneira a produzir ações eficazes para a proteger a vida e o meio ambiente , mantendo o equilíbrio da economia.
Por tudo isso, apesar da precariedade da sua infraestrutura, insuficiência de quadro de pessoal e cortes de orçamento que vem sofrido ultimamente o    SUS – Sistema Único de Saúde tem prestado uma importante assistência a maioria esmagadora da população brasileira acometida da COVID 19, se constituindo uma referência internacional, como serviço de saúde pública com acesso universal de atendimento tanto na área da prevenção de doenças quanto na promoção de saúde.
Ocorre que toda a investigação e controle epidemiológico, sanitário e ambiental relativa a  Vigilância em Saúde é centralizada e coordenada pelo SUS, mas apesar dos esforços de todos os profissionais envolvidos no sistema,  colocando em risco a própria vida para prestar assistência a população,  tem havido um  grande aumento na  incidência  de surtos virais em nosso pais atingindo, por tempo prolongado, extensas camadas da população e  com graves consequências, revelando que algo precisa ser reformulado para que se tente evitar a  repetição constante desta situações que tanto sofrimento tem causado a nós brasileiros. Neste sentido é suficiente lembrar a gravidade dos surtos produzidos em nosso País nos últimos anos tais como  HIV,  Influenza A / H1N1 ,  Dengue, Chikungunya  , Zika vírus, e agora o novo coronavírus, revelando a fragilidade  do nosso  sistema vigilância epidemiológica  na prevenção e  controle destas epidemias. Nem por isso devemos deixar de reconhecer o meritório trabalho desenvolvido pelo SUS nem arrefecer nossa luta pelo seu fortalecimento para que possa aprimorar cada dia mais a qualidade dos serviços prestados à população brasileira.
A gravidade da atual da crise provocada pela COVID-19  torna imperativo refletirmos  sobre as causas estruturais  da atual calamidade, visando superar a dura realidade que estamos vivendo e construirmos um novo tempo em que não permaneçamos  tão vulneráveis quanto agora aos impactos de um surto por um “novíssimo” coronavirus. Isto ao meu ver requer além do desenvolvimento cientifico tecnológico, o desenvolvimento de consciência política que nos capacite a empreender as transformações sociais, econômica e politicas almejadas pela população brasileira.
Esta necessidade de reflexão sobre mudanças nos remete a lembrança da reforma da saúde ocorrida em 16 de abril de 1991 (Decreto n.100) quando o Governo Federal criou   a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) a partir  da fusão de vários segmentos da área de saúde, entre os quais a Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) e a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), extinguido duas entidades de notável tradição e projeção internacional, que contavam com uma profícua folha de serviços prestados  em todo território nacional sobretudo na área de controle epidemiológico com quadros de especialistas altamente capacitados e com dedicação exclusiva às suas funções.
 As ações da FSESP e da SUCAM consistiam no trabalho de prevenção e combate às doenças, na educação em saúde, na atenção à saúde de populações carentes, no saneamento e no combate e controle de endemias, além da pesquisa científica e tecnológica voltadas para a saúde. Assim, esperava-se que a Funasa viesse a dar continuidade as principais ações desenvolvidas por esses órgãos, o que lamentavelmente não ocorreu, visto que o foco das ações da Funasa se voltou para a área da engenharia sanitária como instrumento de preservação da saúde ambiental, ficando os cuidados relativos a controle epidemiológico das doenças infecciosas num plano secundário.
 Mas isso não é de se estranhar visto que o Governo através da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que criou o SUS, já definia as diretrizes para reformulação do  Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE), compreendendo a transferência de responsabilidades da vigilância sanitária para o SUS  em parceria com as Secretaria Estaduais e Municipais de Saúde. Deu no que deu!. A falta de infraestrutura e de pessoal com qualificação especifica para atuação no campo da vigilância epidemiológica e sobretudo a falta da consciência cientifica dos seus dirigentes para a importância desse tipo de atividade fez com que a eficiência dos resultados obtidos, ficassem muito aquém daqueles que eram obtidos com o trabalho realizado por competentes especialistas da FSESP e SUCAM .
 Estas observações nos levam a deduzir da importância de termos uma rede de instituições públicas federais que reúna especialistas com dedicação exclusiva aos estudos epidemiológicos visando prevenir e nos preparar com a devida antecedência para o combate as viroses e não ficarmos a reboque das enfermidades correndo desesperadamente atrás de soluções milagrosas supostamente encontrada por outros países, mas ainda não devidamente comprovadas com devido rigor científico. Nosso corpo científico é do mais alto nível e só precisa do devido apoio governamental para produzir as respostas as questões que afligem o povo brasileiro.















18 comentários:

  1. Excelente texto,esclarecedor.
    Fui do tempo q trabalhavamos junto a SUCAM e sei como fez falta.
    Será q vão mudar....
    Obrigada !

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  2. As consequências das mudancas na área da vigilância epidemiológica foram desastrosas. É preciso mudar sim. Mas se vão mudar só Deus sabe. Obrigado pelo comentário, abraços

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  3. Excelente posicionamento! Parabéns!

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  4. Parabéns pelo importante texto.
    O registro também ressalta o papel da História calamitosa de desgovernos que, de forma avassaladora, aniquilam a educação, a ciência, instituições, profissões, que, de forma direta, buscam proporcionar melhores condições de vida para as populações.
    E, não é por acaso que vivemos em um País no qual convivemos com calamidades em todos os níveis e, em especial, da educação, da saúde, do trabalho, dos transportes, da ética, enfim, da vida!
    Congratulações pelas pertinentes reflexões.
    Abraços.

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  5. Que bom que estamos em plena sintonia.Se nossos governantes agissem de acordo com os preceitos tecnico cientificos não estaríamos passando os vexames que estamos passando hoje. Grande abraço

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  6. Espetacular a descrição da atual situação da saúde pública no Brasil. Parabéns professor. Abraços e Deus abençoe.

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  7. Obrigado pela generosidade do elogio.Grande abraço

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  8. Obrigado Hermínio . Grande abraço

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  9. Excelente texto. Revela as raízes históricas da atual crise no Brasil.Governar confere o bônus do poder mas também o ônus de estudar para tomar as decisões corretas para hoje e para o futuro.

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  10. Dr. Manoel Hermínio, perfeita conclusão a respeito da nossa postagem. Obrigado pela atenção. Abraços

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  11. Dr. LUIZ HERMÍNIO, seu texto é excelente e muito oportuno.

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    1. Obrigado amigo Geovaci. Seu comentário é muito importante para mim. Grande abraço

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  12. Excelente comentário pena que nossos governantes do pensão em eleicoes e se locuplerarem com o nosso dinheiro parabéns

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  13. Muito bom texto, abordando tema tão importante para o momento atual, quando a população brasileira no enfrentamento da grave ameaça do coronavirus,passa a demandar de forma intensa os SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA!
    PARABÉNS!
    FORTE ABRAÇO!

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  14. Excelente colaboração para o entendimento e crescimemto coletivo .Estamos carentes de informação cientifica trasmitida de forma simples e clara.
    Parabéns por este trabalho.

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