sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A ciência e a consciência social

 

     Indiscutivelmente os avanços científicos tecnológicos trouxeram grandes benefícios para humanidade. Mas, lamentavelmente nossa realidade demonstra que a ciência e a inteligência humana podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal da humanidade,  proporcionando-nos encantos e desencantos, como o que senti ao assistir a entrevista de um dos maiores investidores do Brasil. O entrevistado dava aula de sabedoria econômica. Descrevia com precisão, a fórmula infalível para o sucesso nos investimentos e fazia previsões sobre o futuro de investidores. Parecia um profeta da economia. Falava com autoridade de quem um dia fora um garoto muito pobre e hoje era um dos homens mais bem-sucedidos do Brasil. Até aquele ponto da entrevista parecia que a inteligência e a ciência juntas proporcionariam sempre resultados positivos para as pessoas e consequentemente para a humanidade. Ledo  engano, que o próprio entrevistado iria desfazer de forma tão sincera quanto contundente, ao exaltar o seu acerto em um investimento que fizera numa grande empresa brasileira fabricante de armas. A esse respeito esclareceu que além do poder executivo, legislativo e judiciário havia um quarto poder muito importante no mundo – o poder bélico. Astuciosamente esclareceu que não era a favor deste poder, mais reconhecia a sua existência e sua pujança na atualidade. Destacava a excelência da empresa e a qualidade do produto produzido sem levar em consideração que estava tratando da eficiência de um instrumento para extinguir vidas humanas. Ele ressaltou repetidamente que seu interesse maior era auferir sempre uma maior quantidade de dividendos* pelas suas ações nas empresas.  Foi neste ponto da entrevista que me veio a reflexão: qual teria sido a sensação deste individuo quando soube da deflagração da guerra Rússia e Ucrânia, teria sido de tristeza ou euforia pela a possibilidade de auferir maiores lucros com a valorização de suas ações numa empresa fabricante de armas. E agora, diante da guerra instalada será que torcia pelo final da guerra ou pela sua continuidade.  Infelizmente esta não é uma situação isolada, pelo contrário é uma situação que se reproduz também em outros tipos de investimentos como em empresas que exploram economicamente os vícios humanos como o uso do álcool e cigarro. O objetivo principal de uma fábrica de cigarros ou bebidas alcoólicas é sempre formar uma base cada vez maior de viciados para elevar suas vendas, portanto depreende-se que um investidor astuto haverá de almejar a ampliação dos lucros destas empresas, ampliando o ganho com seus dividendos. Assim, haveríamos de nos perguntar seria ético investir um setor do mercado que vicia seus clientes, gerando uma dependência química e ampliando o estado de miserabilidade da população e onerando o sistema de saúde do País?

 Da análise acima deduz-se que, enquanto a maioria da população desfavorecida dos benefícios do desenvolvimento socioeconômico carece de investimentos em áreas que produzam o bem-estar social, uma parcela significativa de investidores apostam em empresas que atuam na contramão dos valores morais e espirituais que defendemos. Panorama este, predominante nos sistemas capitalistas, em que indivíduos e instituições lucram investindo no trabalho de terceiros, sem qualquer preocupação com o bem-estar do conjunto da sociedade.  O exemplo acima mostra que ciência sem a consciência crítica do seu papel social e distanciada do respeito aos valores morais e espirituais pode ser um instrumento usado para o bem de poucos e a infelicidade de muitos, o que deve   suscitar nossa reflexão:  seria possível com o poder na mão de poucos, interessados em seus dividendos, explorando as atividades dos que trabalham, construirmos uma sociedade justa e igualitária?  Mesmo sendo difícil é preciso sonhar e trabalhar para que isto se torne realidade.

 

Dr. Luiz Hermínio de Aguiar Oliveira

 

 

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*Nome dado à divisão dos lucros de uma empresa entre seus acionistas.