A dissonância
entre o discurso e a prática
política
na era da COVID-19
Apesar
de grande parte da mídia estar atuando
sob um prisma especulativo e alarmista,
sem aproveitar a maciça audiência para divulgar informações e orientações de
qualidade, notícias com supostos fundamentos científicos tem sido divulgadas
exaustivamente. Nunca se viu falar tanto da ciência no Brasil. Mas o fato é que
o destaque no noticiário não condiz com o tratamento que as instituições de
pesquisas e pesquisadores tem merecido em nosso País.
Numa
avaliação retrospectiva recente, pode-se se constatar o desprestígio e o
descaso que a ciência vinha e ainda vem sofrendo em nosso pais. Críticas a produtividade
das instituições de pesquisa, corte de orçamento das Universidades,
contenção de vagas para novos
concursos, redução de bolsas de apoio a jovens pesquisadores, restrição de
recursos para pesquisa, ameaçando colapsar nossa rede de instituições de
produção do conhecimento.
Agora, com a grave ameaça que representa o coronavirus para a sobrevivência da humanidade, nada mais
coerente do que se ressaltar o valor da ciência, até a pouco tão
desprestigiada. Mas essa contradição deveria reacender reflexões mais profundas
sobre a importância de se apoiar de forma adequada as iniciativas em prol do
fortalecimento do ensino e da pesquisa em nosso pais.
Para
cumprirmos rigorosamente as medidas preventivas indicadas pelas autoridades
sanitárias, temos que estar convictos de que elas estão embasadas em evidências científicas. Situações como a
que estamos vivendo agora, em que o resultado das pesquisas tem que ser
compartilhados socialmente demonstram de forma cabal que não podemos prescindir
da atuação de Universidades e Institutos de Pesquisa públicos, gratuitos e de
qualidade. Assim a valorização destas instituições e seu quadro de cientistas é
de fundamental importância para a garantia da produção do conhecimento
cientifico continuada, sem os atropelos corriqueiros que tem ocorrido, por
conta de corte de orçamento a título de contingenciamento de despesas.
Um outro
assunto que tem merecido destaque exaustivo no noticiário é incapacidade do
nosso sistema público de saúde para atender toda a demanda de pacientes acometidos
pela Covid 19. Não há dúvida que a ameaçadora força da pandemia produzida pelo
coronovirus não se deve necessariamente ao seu potencial patogênico, mas sobretudo
a precariedade dos sistemas de saúde pública não só no Brasil mas no mundo,
tanto é que quase todos os países estão sendo obrigados a construírem hospitais
de campanha para atender o grande número de pacientes acometidos pela COVID 19.
A atual crise tem demonstrado que é impossível
atender o volume de pacientes atingidos através da inciativa privada, sendo
imperativo para debelar a crise a existência de sistemas públicos de
assistência universal a saúde devidamente
estruturados, o que evidentemente não estamos vendo ocorrer sobretudo na
maioria dos países economicamente desenvolvidos. A redução progressiva do financiamento para os
sistemas públicos de saúde em benefício
do setor privado que tem ocorrido nas últimas décadas explicam atual dificuldade para o controle de epidemias em especial esta causada pelo
novo coronavirus .
É
imprescindível para o controle da pandemia que os países disponham de
instituições de pesquisa adequadamente estruturadas, com profissionais
devidamente habilitados e orçamento suficiente para poder apresentar as respostas
que a sociedade necessita em tempo hábil e muito mais, que tenha condições de
prever os eventos com a devida antecedência para evitar que novos surtos de
doenças infectocontagiosas se repitam ciclicamente. Ou seja, a crise atual é um
alerta para a sociedade da necessidade de se promover mudanças nas políticas públicas
de maneira a produzir ações eficazes para a proteger a vida e o meio ambiente ,
mantendo o equilíbrio da economia.
Por
tudo isso, apesar da precariedade da sua infraestrutura, insuficiência de
quadro de pessoal e cortes de orçamento que vem sofrido ultimamente o SUS
– Sistema Único de Saúde tem prestado uma importante assistência a maioria
esmagadora da população brasileira acometida da COVID 19, se constituindo uma
referência internacional, como serviço de saúde pública com acesso universal de
atendimento tanto na área da prevenção de doenças quanto na promoção de saúde.
Ocorre
que toda a investigação e controle epidemiológico, sanitário e ambiental
relativa a Vigilância em Saúde é
centralizada e coordenada pelo SUS, mas apesar dos esforços de todos os
profissionais envolvidos no sistema,
colocando em risco a própria vida para prestar assistência a população, tem havido um grande aumento na incidência
de surtos virais em nosso pais atingindo, por tempo prolongado, extensas
camadas da população e com graves
consequências, revelando que algo precisa ser reformulado para que se tente evitar
a repetição constante desta situações
que tanto sofrimento tem causado a nós brasileiros. Neste sentido é suficiente
lembrar a gravidade dos surtos produzidos em nosso País nos últimos anos tais
como HIV, Influenza A / H1N1 , Dengue, Chikungunya , Zika vírus, e agora o novo coronavírus,
revelando a fragilidade do nosso sistema vigilância epidemiológica na prevenção e
controle destas epidemias. Nem por isso devemos deixar de reconhecer o
meritório trabalho desenvolvido pelo SUS nem arrefecer nossa luta pelo seu
fortalecimento para que possa aprimorar cada dia mais a qualidade dos serviços
prestados à população brasileira.
A
gravidade da atual da crise provocada pela COVID-19 torna imperativo refletirmos sobre as causas estruturais da atual calamidade, visando superar a dura
realidade que estamos vivendo e construirmos um novo tempo em que não permaneçamos
tão vulneráveis quanto agora aos
impactos de um surto por um “novíssimo” coronavirus. Isto ao meu ver requer
além do desenvolvimento cientifico tecnológico, o desenvolvimento de
consciência política que nos capacite a empreender as transformações sociais,
econômica e politicas almejadas pela população brasileira.
Esta
necessidade de reflexão sobre mudanças nos remete a lembrança da reforma da
saúde ocorrida em 16 de abril de 1991 (Decreto n.100) quando o Governo Federal criou a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) a partir
da fusão de vários segmentos da área de saúde, entre os quais a Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP)
e a Superintendência de Campanhas de
Saúde Pública (SUCAM), extinguido duas entidades de notável tradição e
projeção internacional, que contavam com uma profícua folha de serviços
prestados em todo território nacional
sobretudo na área de controle epidemiológico com quadros de especialistas
altamente capacitados e com dedicação exclusiva às suas funções.
As ações da FSESP e da SUCAM consistiam no
trabalho de prevenção e combate às doenças, na educação em saúde, na atenção à
saúde de populações carentes, no saneamento e no combate e controle de
endemias, além da pesquisa científica e tecnológica voltadas para a saúde.
Assim, esperava-se que a Funasa viesse a dar continuidade as principais ações
desenvolvidas por esses órgãos, o que lamentavelmente não ocorreu, visto que o
foco das ações da Funasa se voltou para a área da engenharia sanitária como
instrumento de preservação da saúde ambiental, ficando os cuidados relativos a
controle epidemiológico das doenças infecciosas num plano secundário.
Mas isso não é de se estranhar visto que o Governo
através da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que criou o SUS, já definia
as diretrizes para reformulação do Sistema
Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE), compreendendo a transferência de
responsabilidades da vigilância sanitária para o SUS em parceria com as Secretaria Estaduais e Municipais
de Saúde. Deu no que deu!. A falta de infraestrutura e de pessoal com
qualificação especifica para atuação no campo da vigilância epidemiológica e
sobretudo a falta da consciência cientifica dos seus dirigentes para a importância
desse tipo de atividade fez com que a eficiência dos resultados obtidos,
ficassem muito aquém daqueles que eram obtidos com o trabalho realizado por competentes
especialistas da FSESP e SUCAM .
Estas observações nos levam a deduzir da importância
de termos uma rede de instituições públicas federais que reúna especialistas
com dedicação exclusiva aos estudos epidemiológicos visando prevenir e nos
preparar com a devida antecedência para o combate as viroses e não ficarmos a
reboque das enfermidades correndo desesperadamente atrás de soluções milagrosas
supostamente encontrada por outros países, mas ainda não devidamente
comprovadas com devido rigor científico. Nosso corpo científico é do mais alto
nível e só precisa do devido apoio governamental para produzir as respostas as
questões que afligem o povo brasileiro.