A ciência e a
consciência social
Indiscutivelmente
os avanços científicos tecnológicos trouxeram grandes benefícios para
humanidade. Mas, lamentavelmente nossa realidade demonstra que a ciência e a
inteligência humana podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal da
humanidade, proporcionando-nos encantos e desencantos, como o que senti ao
assistir a entrevista de um dos maiores investidores do Brasil. O entrevistado
dava aula de sabedoria econômica. Descrevia com precisão, a fórmula infalível
para o sucesso nos investimentos e fazia previsões sobre o futuro de
investidores. Parecia um profeta da economia. Falava com autoridade de quem um
dia fora um garoto muito pobre e hoje era um dos homens mais bem-sucedidos do
Brasil. Até aquele ponto da entrevista parecia que a inteligência e a ciência
juntas proporcionariam sempre resultados positivos para as pessoas e
consequentemente para a humanidade. Ledo engano, que o próprio entrevistado
iria desfazer de forma tão sincera quanto contundente, ao exaltar o seu acerto
em um investimento que fizera numa grande empresa brasileira fabricante de
armas. A esse respeito esclareceu que além do poder executivo, legislativo e
judiciário havia um quarto poder muito importante no mundo – o poder bélico.
Astuciosamente esclareceu que não era a favor deste poder, mais reconhecia a
sua existência e sua pujança na atualidade. Destacava a excelência da empresa e
a qualidade do produto produzido sem levar em consideração que estava tratando
da eficiência de um instrumento para extinguir vidas humanas. Ele ressaltou
repetidamente que seu interesse maior era auferir sempre uma maior quantidade
de dividendos* pelas suas ações nas empresas.
Foi neste ponto da entrevista que me veio a reflexão: qual teria sido a sensação
deste individuo quando soube da deflagração da guerra Rússia e Ucrânia, teria
sido de tristeza ou euforia pela a possibilidade de auferir maiores lucros com
a valorização de suas ações numa empresa fabricante de armas. E agora, diante
da guerra instalada será que torcia pelo final da guerra ou pela sua
continuidade. Infelizmente esta não é
uma situação isolada, pelo contrário é uma situação que se reproduz também em
outros tipos de investimentos como em empresas que exploram economicamente os
vícios humanos como o uso do álcool e cigarro. O objetivo principal de uma
fábrica de cigarros ou bebidas alcoólicas é sempre formar uma base cada vez
maior de viciados para elevar suas vendas, portanto depreende-se que um
investidor astuto haverá de almejar a ampliação dos lucros destas empresas,
ampliando o ganho com seus dividendos. Assim, haveríamos de nos perguntar seria
ético investir um setor do mercado que vicia seus clientes, gerando uma
dependência química e ampliando o estado de miserabilidade da população e onerando
o sistema de saúde do País?
Da
análise acima deduz-se que, enquanto a maioria da população desfavorecida dos benefícios
do desenvolvimento socioeconômico carece de investimentos em áreas que produzam
o bem-estar social, uma parcela significativa de investidores apostam em empresas
que atuam na contramão dos valores morais e espirituais que defendemos.
Panorama este, predominante nos sistemas capitalistas, em que indivíduos e
instituições lucram investindo no trabalho de terceiros, sem qualquer
preocupação com o bem-estar do conjunto da sociedade. O exemplo acima mostra que ciência sem a
consciência crítica do seu papel social e distanciada do respeito aos valores
morais e espirituais pode ser um instrumento usado para o bem de poucos e a
infelicidade de muitos, o que deve
suscitar nossa reflexão: seria
possível com o poder na mão de poucos, interessados em seus dividendos,
explorando as atividades dos que trabalham, construirmos uma sociedade justa e
igualitária? Mesmo sendo difícil é
preciso sonhar e trabalhar para que isto se torne realidade.
Dr. Luiz Hermínio de
Aguiar Oliveira
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*Nome
dado à divisão dos lucros de uma
empresa entre seus acionistas.